Vamos deixar bem claro: este artigo não tem qualquer intenção de criticar a ferramenta ou a prática de uma empresa em avaliar pessoas visando seu desenvolvimento profissional, redirecionamento de carreira, levantar necessidades de treinamento nem, tampouco, o hábito intrínseco ao ser humano de julgar o seu semelhante – afinal, isso é bíblico (“Não julgueis, e não sereis julgados – Mateus 7:2).
A Avaliação de Desempenho, com o propósito que conhecemos, data do século XIX desenvolvida para uso do exército americano e, posteriormente, assimilada por empresas privadas como a GM que no início do século XX a aplicava restritamente aos seus executivos. Pouco tempo depois (década de 30), pasmem, a administração pública do Brasil introduziu para alguns órgãos esse mesmo conceito.
Na segunda metade do século XX com a intensificação da presença de empresas multinacionais no Brasil, a formalização do processo de Avaliação de Desempenho espalhou-se e constituiu-se num avanço, numa prática moderna de gestão de pessoas embora limitada à avaliação do período de experiência, para justificar promoções e…….. reajustes salariais, embora para este uso fosse mais conhecida por Avaliação de Mérito.
A Avaliação de Mérito nada mais era do que a formalização da avaliação do desempenho do funcionário para fins estritamente salariais, raramente importando seus efeitos para o desenvolvimento ou aprimoramento profissional, correção de falhas, problemas de comportamento ou indicar necessidades de treinamento. O foco era o reajuste salarial embora, reconheçamos, fosse melhor do que nada se comparado a observações pessoais de véspera, ao tradicional “tempo de casa” ou, ainda, ao “humor” do Chefe.
A Avaliação de Mérito tinha data certa (geralmente em Setembro, pois antecedia os Acordos Coletivos das principais categorias sindicais), era unilateral, pois apenas o avaliador emitia sua opinião e fechada, apenas o RH (ou seria melhor dizer o DP?) tinha o “segredo” da tabulação e a prerrogativa da publicação do temível resultado. Acontecia tudo num único mês, não importando o número de “avaliáveis” – o avaliador que se “virasse” para fazer, e bem feita, a avaliação da sua equipe, às vezes bem numerosa, num único período de 30 dias.
O texto acima está escrito no tempo pretérito, mas tenho absoluta certeza de que ele continua atualíssimo! Mas qual o problema em justificarmos reajustes salariais através de uma avaliação formal? Há alguns pontos problemáticos que gostaria de comentar:
- O bom desempenho pode não ser constante, mas o salário, por lei, é irredutível. Quem garante que o funcionário premiado com um reajuste real de salário decorrente de um bom desempenho formalizado pela avaliação de desempenho neste ano pode repetir a dose no ano seguinte? E se o seu rendimento estiver abaixo da crítica no ano seguinte deve ele “devolver” o que está recebendo a mais nesse ano?
Não raro, na minha vida profissional como Executivo de RH ou Consultor, vi pessoas serem estigmatizadas por terem uma remuneração superior a dos colegas fruto de um desempenho superior em tempos passados que não se repetia no momento atual. O mais triste é que tal situação expunha que esse funcionário “estava nu”, nada justificando uma remuneração superior para um desempenho mediano, situação essa que o tornava candidato constante às listas de demissão em momentos de crise da empresa.
- Reajuste incorporado ao salário implica em custos maiores. É notória a elevada carga fiscal sobre a folha de pagamento o que significa dizer que cada centavo incorporado ao salário representa quase o mesmo valor em encargos.
- Situação financeira da empresa. Será que o momento econômico da empresa favorece a manutenção dessa prática? Várias vezes vi empresas que, sob pressão interna (ameaça de greve) ou externa (Sindicatos), mantiveram as avaliações por mérito, reajustaram salários para, meses depois, reduzirem o quadro de pessoal para compensar o aumento real da folha de pagamento. Desgastante, não?
Mas, e aí? Sem possibilidades racionais para a manutenção dos reajustes salariais por mérito?
Obviamente, nada está perdido desde que possamos introduzir dois novos conceitos:
- No lugar de Aumento Real passamos a utilizar Ganho Real.
- Política de Remuneração Variável nos termos da legislação brasileira (Lei no. 10.101 de 12/2000)
GANHO REAL
Entendo que, de um modo geral, desde que “entre algum no meu bolso” não interessa o meio (obviamente estou falando de um ganho honesto!): aumento salarial, gratificação, bônus, prêmio, etc. O melhor dos mundos seria a concessão de um ganho salarial sem custos para o empregador – tipicamente uma situação “ganha-ganha”.
Imagine a concessão de um bônus equivalente a 1 (um) salário para alguém com remuneração mensal de R$ 1.000,00, o que tem sido bastante usual nos dias de hoje. Se dividirmos esse valor pelos 12 meses do ano chegamos a um ganho/mês de R$ 83,33 ou 8,33% do salário, isto é, se alguém tivesse um reajuste salarial de 8,33% seu ganho, no final do período, seria equivalente a concessão do bônus.
É lógico que se pode argumentar: mas o salário corrigido impactaria o 13º. , as férias, o FGTS, etc. Correto, mas geralmente o bônus seria concedido integral e antecipadamente (mais opções de investimento ou compras antecipadas a disposição do funcionário) e, além do mais, que empresa concede atualmente reajustes salariais reais na casa de 8,33%%?
POLÍTICA DE REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
A coisa mais sensata em termos de legislação nas últimas décadas foi a promulgação da lei 10.101 de Dezembro/2000 que trata da forma de distribuição de resultados, pois vem de encontro a tudo o que comentamos acima. É inadmissível que boa parte das empresas ainda não se deu conta do incrível potencial dessa ferramenta na gestão de pessoas.
Não gostaria de discutir aqui os aspectos motivacionais da Lei, seus impactos inegaveis sobre a produtividade e a qualidade da empresa, mas apenas como que as empresas podem, em adotando-a, substituírem o ultrapassado sistema de reajuste real dos salários por algo moderno, prático e realista.
Um moderno Plano de Remuneração Variável deve contemplar3 aspectos:
- Resultados globais da empresa
- Resultados setoriais
- Resultados individuais
Os resultados globais responsabilizam-se pelos recursos financeiros que propiciam a concessão do bônus – sem os resultados da empresa não há como falar em distribuição aos funcionários por melhor que fossem seus desempenhos individuais. Os resultados setoriais referem-se à contribuição de cada área no esforço sinérgico para o alcance ou superação das metas globais e os resultados individuais refletem a contribuição do desempenho de cada funcionário nesse esforço.
Pronto, a equação está montada! O desempenho do funcionário que antes poderia resultar no reajuste real do seu salário agora passa a contribuir com uma menor ou maior fatia no seu bônus……. e com inúmeras vantagens ! Senão, vejamos:
- Reajuste salarial x ganho real. O ganho que o funcionário venha a auferir com o seu desempenho não integra seu salário, este permanece o mesmo e não suscita idéias de sua redutibilidade. Caso seu desempenho despenque mais à frente ele simplesmente não estará elegível para o bônus, sem transmitir a sensação estranha de injustiça perante a equipe de que seu salário não correspondente ao seu (baixo) desempenho presente.
- Sem encargos. Enquanto o reajuste real dos salários implicava em encargos trabalhistas nada decorre do ganho real, pois pela lei a distribuição dos resultados é isenta de taxas.
- Situação financeira. Nada é mais cristalino do que a justificativa da não distribuição do bônus pela simples constatação dos (maus) resultados da empresa – e isso amparado pela legislação e pelo Acordo Sindical assinado pelo Sindicato e a Comissão representativa dos funcionários. Não há cultura interna, hábitos que sustentem o pagamento de bônus quando não há a geração dos referentes resultados, mesmo havendo flexibilidade na redação do Acordo para distribuição parcial em determinadas condições. Sem resultados vão-se os anéis (bônus), mas ficam os dedos (emprego, salário e benefícios) !
Com um plano de remuneração variável a Avaliação de Desempenho reveste-se de um novo e intenso papel, mais válida do que nunca para conceder ganhos salariais individuais, mas sem perder o foco da contribuição individual para o alcance ou superação dos objetivos setoriais e globais da empresa através do desenvolvimento e aprimoramento profissional, treinamentos eficazes, conduta coerente e integração ao negócio da empresa.
São Paulo, 2018
José Francisco D´Annibale
Professor universitário INPG e UNITAU – Módulo de Cargos e Salários – MBA em Gestão de Pessoas
Sócio-Diretor da R$EMUNERA Consultoria em RH
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